A criminalização do assassinato em massa

A criminalização do assassinato em massa

SESSENTA E CINCO ANOS APÓS A PRIMEIRA CONDENAÇÃO DO GENOCÍDIO PELA ONU: CRIMINALIZAÇÃO DO ASSASSINATO EM MASSA por Menachem Z. Rosensaft – No dia 11 de dezembro de 1946, a Assembléia Geral da ONU adotou a resolução 96 que declarava “o genocídio, definido como a negação do direito à existência de determinados grupos humanos, é um crime pela lei internacional, condenado pelo mundo civilizado. Os responsáveis e seus cúmplices na execução deste crime – sejam eles indivíduos comuns, funcionários públicos ou estadistas, ou se ele for cometido por motivos religiosos, raciais, políticos ou quaisquer outros motivos – são passíveis de punição”. Esta resolução foi adotada após o aniquilamento de cerca de 6.000.000 de judeus europeus como parte da Solução Final da Questão Judaica de Hitler e menos de dois meses depois que dez líderes do Terceiro Reich foram executados em Nuremberg por “crimes contra a humanidade”. Além das vítimas judias do Holocausto, cerca de 220.000 Sinti e Roma (ciganos) foram também assassinados durante a Segunda Guerra Mundial, assim como intelectuais poloneses e oficiais comunistas, entre outros grupos alvo. A Alemanha não foi o único país responsável por estas atrocidades. As autoridades colaboracionistas francesas arrebanharam dezenas de milhares de judeus e os deportaram para os campos de morte; o regime fantoche dos nazistas na Croácia assassinou centenas de milhares de sérvios além dos judeus iugoslavos. Foi neste contexto que um advogado judeu polonês, Raphael Lemkin, criou o termo genocídio, pelo qual ele entendia a “destruição de uma nação ou de um grupo étnico”. Em seu livro de 1944: “ A Dominação do Eixo na Europa Ocupada”, ele explicava a formação da palavra com a raiz grega genos (raça, tribo), e o termo latino cidio (matar). Em 1946, em um artigo subseqüente, Lemkin ampliou o significado de genocídio para incluir também grupos religiosos e raciais. A necessidade de ampliação do termo legal tornou-se clara depois que a exata dimensão da devastação humana perpetrada pela Alemanha nazista foi exposta no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Em seu editorial de 26 de agosto de 1946, o jornal New York Times declarou que “o genocídio já foi reconhecido como um crime diferenciado, com técnicas e conseqüências diferenciadas. Resta agora incorporar a lei internacional, o que o professor Lemkin quase alcançou”. Menos de dois anos e meio mais tarde, em 8 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU completou o processo, adotando a Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Assim, a comunidade internacional comprometeu-se ostensivamente a “prevenir e punir” uma série de atos específicos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um determinado grupo religioso ou racial, étnico ou nacional”. A Convenção é diferente da Resolução da ONU de 1946, pois acrescentou entidades “étnicas” como grupos que devem ser protegidos, mas é mais fraca porque não cobre mais assassinatos e perseguições por motivos “políticos” ou “outros”. Infelizmente, as ambigüidades inerentes a estas caracterizações inconsistentes de genocídio permitiram uma intelectualização sofisticada do termo. O professor Steven T. Katz, da Universidade de Boston, por exemplo, rejeita a definição da Convenção como sendo limitada no alcance – ele incluiria nela a vitimização econômica, social, política e por gênero – e ao mesmo tempo muito ampla – ele se recusa a reconhecer como genocídio qualquer coisa menor que a destruição física intencional de um determinado grupo na sua totalidade. Segundo ele, qualquer intenção de matar apenas alguns membros de um grupo – como por exemplo,os muçulmanos da Bósnia no território reclamado pelos sérvios em oposição a todos os muçulmanos bósnios, onde estiverem – não é genocídio. Assim, o professor Katz, que é meu amigo, disse recentemente ao New York Times que os massacres de tutsis em Ruanda se constituem apenas em “assassinatos em massa” e não devem ser classificados como genocídio. Respeitosamente, eu discordo. Nenhum sobrevivente de qualquer genocídio merece ter seu sofrimento banalizado ou diminuído. É simplesmente inconcebível sugerir que os tutsis assassinados em Ruanda apenas por serem tutsis, ou os homens e meninos muçulmanos bósnios mortos em Serebrenica pelos bandidos sérvios por nenhum outro motivo além da sua origem étnica, são menos vítimas de genocídio que os meus avós e o meu irmão que foram mortos no campo de morte de Auschwitz-Birkenau. Genocídio não é apenas a única abominação passível de punição após o Holocausto. Os Crimes contra a Humanidade, antes apenas uma causa de ação amorfa criada em 1945 para julgar os principais criminosos de guerra nazistas, foram agora codificados no Estatuto da Corte Criminal Internacional para incluir assassinato, extermínio, tortura, estupro e escravidão sexual, entre outras ofensas específicas “quando cometidas como parte de um ataque sistemático amplo dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque”. Estes crimes contra a humanidade formam a pedra angular, junto com o genocídio e os crimes de guerra dos estatutos do Tribunal Criminal Internacional para Ruanda e para a antiga Iugoslávia, assim como a lei pela qual os líderes do Khmer Vermelho estão sendo julgados agora por atrocidades cometidas no Cambódia pelo regime de Pol Pot entre 1975 e 1979. Ao assinalar o 65º aniversário do primeiro reconhecimento formal do genocídio como crime pela lei internacional, nós devemos refletir sobre o progresso que fizemos desde a época em que os chefes de governo e seus acólitos acreditavam que podiam matar impunemente judeus, Roma e Sinti, armênios, ou membros de outros grupos nacionais, religiosos ou étnicos. Nós devemos ter sempre em mente que embora a justiça póstuma para as vítimas de genocídio seja uma consideração importante, o imperativo mais importante, tanto da Resolução 96 como da Convenção do genocídio, sempre foi a prevenção de futuras carnificinas. Basta olhar para Darfur para verificar que este objetivo ainda está longe de ser alcançado. Na verdade, nós evoluímos bastante desde o final da Segunda Guerra Mundial, mas ainda não o suficiente para sermos considerados verdadeiramente civilizados. Tradução: Adelina Naiditch]]>

Gostou? Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Escolha por região

Destaque

Ajudar
muda tudo

Sua doação muda a vida de muitas pessoas. Contribua agora mesmo.

Artigos relacionados