BOA NOITE PARA D’US

BOA NOITE PARA D’US

Menachem Z. Rosensaft

Quando os judeus de todo o mundo celebram o Yom Kipur, o Dia da Expiação, é importante lembrar que os Dias Temíveis, que começam em Rosh Hashaná, dando início ao novo ano, não marcam o começo do calendário judaico, que ocorre na primavera, na Festa de Pessach, mas sim o início de um novo ano para a humanidade como um todo. Em Rosh Hashaná nós recitamos “Hayom harat olam”, hoje o mundo nasceu. Este mundo inclui cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, mórmons, hindus e membros de muitas outras comunidades religiosas, além de agnósticos e ateus. Todas as noites, antes de dormir, o Rebe Ephraim Fiszele Szapiro (ou Shapiro), um mestre hassídico que viveu na cidade polonesa de Stykow, no início do século XIX, enchia um cálice com vodca, dizia uma benção e sorvia um gole, falando em voz alta: “L’chaim Reboino shel Oilem”, L’chaim Mestre do Universo, uma boa noite para Ti”. Quando os seus discípulos lhe pediram explicações, Reb Fiszele perguntou: “D’us se aflige com o sofrimento humano?” “Sim”, responderam os alunos, “nos ensinaram que D’us sofre quando os humanos sofrem”. Então Reb Fiszele disse: “ Quando eu digo boa noite para D’us, existe apenas uma única maneira de Ele ter esta boa noite, Ele deve dar uma noite de repouso a todos os aflitos do mundo”. A base da filosofia de Reb Fiszele era um amor puro e abrangente por Deus e não apenas pelo povo judeu, mas pela humanidade como um todo. Ela reflete a compreensão de que todos os seres humanos são criados por Deus e que, frequentemente, o “outro” é apenas um reflexo da nossa imagem. É fácil ver o mundo por um prisma paroquial. A desconfiança, e mesmo a antipatia, podem ser emoções compreensíveis porque geralmente elas existem em ambientes de perseguição, opressão, violência, sofrimento e, no caso do judaísmo contemporâneo, genocídio. O desafio é não permitir que a memória dos horrores e as manifestações de ódio atuais abalem nossa humanidade. Susan Eisenhower, neta do ex-presidente Dwight Eisenhower, nos adverte contra a “retórica divisora” daqueles políticos conservadores norte-americanos que advogam “uma política exterior que vê os contornos das crises internacionais e os outros povos através das lentes estreitas da ignorância, e, talvez, da arrogância”. Adolf Hitler e os alemães que perpetraram o Holocausto encarnavam o mal absoluto. O mesmo podemos dizer dos responsáveis pelos genocídios de Ruanda, da antiga Iugoslávia, de Darfur. Os partidários do Islã Radical, desde os líderes fanáticos e seguidores da Al Qaeda ao presidente Mahmud Ahmadinejad até a turba frenética que assassinou o embaixador Christopher Stevens em Benghazi Líbia, não têm redenção. Em 10 de dezembro de 2009, em Oslo, no discurso que fez ao aceitar o Prêmio Nobel da Paz, o presidente Obama disse: “Eu deploro a maneira como a religião é usada para justificar o assassinato de inocentes por aqueles que distorcem e profanam a grande religião do Islã e que atacaram meu país. Estes extremistas não são os primeiros a matar em nome de Deus, a crueldade dos cruzados é bem conhecida. Mas eles nos fazem lembrar que nenhuma guerra santa pode ser uma guerra justa, pois se você realmente acredita que está executando a vontade divina, então não há nenhuma restrição ou mesmo necessidade de poupar a mulher grávida, a mãe, o médico, o funcionário da Cruz Vermelha, ou mesmo pessoas da sua própria fé. Esta visão deturpada da religião é incompatível não apenas com o conceito de paz, mas eu creio que é incompatível com o propósito da fé, pois uma regra fundamental de todas as religiões é que não devemos fazer aos outros aquilo que não queremos que eles façam para nós”. Ao mesmo tempo o presidente Obama disse: Nós não devemos pensar que a natureza humana é perfeita e devemos acreditar que a condição humana pode ser aperfeiçoada. Nós não precisamos viver num mundo idealizado para tentar alcançar aqueles ideais que o tornarão um lugar melhor. Se perdermos esta fé, então nós perdemos o melhor da humanidade, nós perdemos nosso senso de possibilidade, nós perdemos nossa orientação moral”. Em 21 de setembro de 2001, em um discurso dirigido ao Congresso e à nação, o presidente Bush, ao mesmo tempo em que condenou categoricamente o “extremismo islâmico” lembrou as preces feitas em inglês, hebraico e árabe após os ataques terroristas de 11 de setembro e disse que o povo americano não esqueceu as orações oferecidas em uma mesquita do Cairo. Falando sobre a sua juventude na Polônia pré- Holocausto, o papa João Paulo II disse a um jornalista italiano: “Eu lembro bem dos judeus que se reuniam todos os sábados na sinagoga atrás da nossa escola. Eu suponho que os dois grupos religiosos, judeus e católicos, estavam unidos pela percepção de que oravam ao mesmo Deus”. Nós não devemos esquecer que durante a Segunda Guerra Mundial na Europa havia cristãos, uma pequena minoria é verdade, que arriscaram suas vidas para salvar judeus. E hoje há muçulmanos que se unem aos judeus e aos cristãos para promover o espírito de tolerância. Recentemente, em Paris, cerca de setenta líderes religiosos judeus e muçulmanos de dezoito países se reuniram em um encontro organizado pelo rabino Marc Schneier, vice-presidente do Congresso Judaico Mundial. Os rabinos e imams reunidos declararam que desejavam “instituir uma política de ‘tolerância zero’ contra os líderes religiosos de qualquer fé que fazem uso dos seus púlpitos para incitar o preconceito religioso. Nós nos comprometemos a expressar uma condenação veemente contra qualquer líder religioso que difamar outra fé e, se estes preconceituosos surgirem dentro de nossas próprias comunidades, serão condenados publicamente”. Meus netos gêmeos têm quase quatro anos de idade. Eu pretendo, em breve, contar-lhes a história do brinde noturno de Reb Fiszele porque ele engloba um valor universalista básico com o qual eu quero que eles cresçam e também porque Reb Fiszele era o tatara-tatara-tataravô deles. Artigo publicado no jornal The Huffington Post, USA e citado no WJC- World Jewish Congress em 25 de setembro de 2012. O autor, Menachem Z. Rosensaft é filho de sobreviventes do Holocausto e professor de Direito nas universidades de Columbia, Cornell e Syracuse.]]>

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