CENTO E CINQUENTA ADOLESCENTES JUDEUS TCHECOS QUE ESCAPARAM DO HOLOCAUSTO REENCONTRAM-SE DEPOIS DE SETENTA ANOS

CENTO E CINQUENTA ADOLESCENTES JUDEUS TCHECOS QUE ESCAPARAM DO HOLOCAUSTO REENCONTRAM-SE DEPOIS DE SETENTA ANOS

Michal Schmulevich

No outono de 1939, um grupo de adolescentes judeus tchecos despediu-se de suas famílias e de seus amigos e embarcou num trem para a Dinamarca. Para muitos foi a última vez em que viram e abraçaram seus pais porque suas famílias, que permaneceram na então Tchecoslováquia, pereceram no Holocausto. Estes jovens, entre 14 e 16 anos, iniciaram uma nova vida. A fuga deles foi preparada pelo Departamento da Juventude da Agência Judaica (Aliat Hanoar) junto com movimentos juvenis sionistas como o Maccabi Hatzair, assim como uma liga pacifista dinamarquesa e várias comunidades judaicas. Eles foram recebidos por famílias dinamarquesas comuns, viveram em lares adotivos e trabalharam em fazendas. Por que fazendas? Porque um dos objetivos dos movimentos juvenis era o de preparar pioneiros judeus para o futuro estabelecimento na Palestina. O plano funcionou. Muitos entre eles, que foram para o então Mandato Britânico vieram a trabalhar em ciências naturais ou nos grandes kibutzim do norte do país. [caption id="attachment_7809" align="aligncenter" width="403"]Some of the teenage Jewish Czech refugees in Denmark in the fall of 1941 (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova) Some of the teenage Jewish Czech refugees in Denmark in the fall of 1941 (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova)[/caption]   Na Dinamarca, a vida foi relativamente boa para eles já que foram poupados do destino de tantos outros judeus durante o Holocausto e não precisaram usar a estrela amarela. Mesmo assim, eram refugiados e quando a guerra se tornou mais intensa, os nazistas estavam sempre presentes. Eles se tornaram como uma família muito unida. Aqueles que viviam no sul, na região de Sjaelland, encontravam-se pelo menos uma vez por semana na cidade de Naestved, o que lhes proporcionava um pouco de estabilidade e continuidade num mar de mudanças. Alguns tornaram-se grandes amigos, outros encontraram aí seus futuros esposos. [caption id="attachment_7811" align="aligncenter" width="404"]Teenage Jewish Czech refugees in Denmark in the early years of World War II. Some 150 of the 700 teens saved by Danish foster families during the war were from Czechoslovakia. They often rode their bikes and met in Naestved, and shared stories and practiced their Hebrew, with the hopes of one day making it to Palestine. (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova) Teenage Jewish Czech refugees in Denmark in the early years of World War II. Some 150 of the 700 teens saved by Danish foster families during the war were from Czechoslovakia.
They often rode their bikes and met in Naestved, and shared stories and practiced their Hebrew, with the hopes of one day making it to Palestine. (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova)[/caption]   Mas em 1943 os nazistas anunciaram de repente que os 7.000 judeus da Dinamarca não eram mais livres. Até então, a Alemanha havia respeitado as instituições dinamarquesas, considerando a nação um protetorado. Agora os judeus deviam ser presos e deportados. Muitos jovens foram contrabandeados para a Suécia, que era um país neutro, em pequenos barcos de pesca e muitos dinamarqueses arriscaram a vida para salvá-los. Outros jovens foram escolhidos para emigrar para a Palestina. [caption id="attachment_7812" align="aligncenter" width="450"]A few of the teenage Czech Jewish refugees enjoying the Danish winter in the early 1940s (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova) A few of the teenage Czech Jewish refugees enjoying the Danish winter in the early 1940s (photo credit: Courtesy, archive of Judita Matyasova)[/caption]   O grupo se dispersou. Numa época em que a comunicação de massa ainda não era comum, as amizades foram instantaneamente perdidas. Muitos recomeçaram suas vidas na África do Sul, em Israel, nos Estados Unidos, no Canadá ou na Inglaterra, sem saber o que tinha acontecido aos seus companheiros. Com o passar do tempo as lembranças foram se diluindo, até o ano passado, quando Judita Matyasova, uma jornalista incansável e meticulosa de Praga, começou a recolher as histórias deste grupo extraordinário, criando um processo de reencontro para muitos. Na semana passada, numa casa de Neve Ilan, próximo a Jerusalém, seis dos antigos refugiados e parentes de outros que já faleceram ou que não puderam viajar, se encontraram numa reunião emotiva. Para a maioria deles foi a primeira vez em que reabriram o capítulo do seu passado na Segunda Guerra Mundial, quando sobreviver significava o fim da infância, abandonar as famílias enquanto os assassinatos em massa prosseguiam. No encontro, duas amigas recentemente reunidas, Anne Marie “Nemka” Steiner (nascida Federer) e Judith Shaked, sentaram no terraço com vista para as colinas da Judeia, rindo enquanto tomavam chá. Elas cochichavam como duas irmãs trocando segredos, falavam sem parar, como se nem um ano tivesse passado desde a última vez em que se viram. [caption id="attachment_7815" align="aligncenter" width="422"]Anne Marie Steiner, ‘Nemka,’ and Judith Shaked sat outside last week. It was their first meeting in dozens of years. The two girls were best friends during their time in Denmark. (photo credit: Michal Shmulovich/ToI) Anne Marie Steiner, ‘Nemka,’ and Judith Shaked sat outside last week. It was their first meeting in dozens of years. The two girls were best friends during their time in Denmark.
(photo credit: Michal Shmulovich/ToI)[/caption]   “Eu não a via há setenta anos”, exclamou Judith. Nemka foi a melhor amiga dela na Dinamarca, mas elas não tiveram nenhum contato desde então, quando Judith foi para a Palestina e Nemka foi para a Suécia. “Mas nós éramos muito amigas, realmente”, disse Judith olhando amorosamente para Nemka. Linda Fine, da África do Sul, filha de Edita Moracova, conhecida como Dita, uma das refugiadas já falecida, falou: ”Não foi fácil para os pais, vocês sabem. . . Algumas famílias tinham vários filhos naquela faixa de idade e que participavam dos movimentos juvenis (que planejaram a fuga dos jovens), mas eles podiam enviar apenas um filho no trem. Podem imaginar o que é fazer esta escolha, sabendo que os outros filhos poderiam morrer? Outras pessoas presentes à reunião confirmaram o relato comovente de Linda Fine e as escolhas impossíveis que as pessoas tinham de fazer. Foi como uma versão tcheca da escolha de Sofia. Dita era uma jovem madura, muito à frente do seu tempo. A mãe morreu quando ela tinha 9 anos. Dita tinha 14 anos quando deixou Praga. Ela vendeu as joias que tinham sido de sua mãe para pagar a passagem de trem e foi sozinha ao escritório da Agência Judaica para acertar os detalhes da sua partida. Depois da Dinamarca e da Suécia, Dita foi para a Palestina onde trabalhou como aeromoça de uma empresa aérea tcheca. Sem saber, ela ajudou a contrabandear documentos do grupo Stern em seus voos. Ela foi presa pelos ingleses. No seu diário ela escreveu que se sentiu usada “pelo meu próprio povo”. “Eu acho que foi por isso que ela não ficou em Israel. Depois de tudo que ela passou para escapar do Holocausto, foi muito doloroso para ela”, disse Linda. Dita viveu alguns “anos maravilhosos” na Dinamarca, mas o custo de ter sido salva trazia lembranças agridoces, disseram os outros refugiados. “Nossos pais foram muito corajosos”, disse Dagmar Pollakova, uma das seis sobreviventes. “Eles tiveram a coragem de dizer adeus para nós, crianças, sem saber se tornariam a ver-nos”. Na verdade, a maioria não sobreviveu. Dan Yaalon (o nome hebraico de Hardy Berger), um erudito, geólogo da Universidade Hebraica, cujo filho Uri foi o anfitrião da reunião, disse que a lembrança da sua mãe lhe dizendo adeus é a mais vívida de suas memórias. “Eu tinha 10 anos quando meu pai faleceu”, contou Yaalon. Foi a primeira vez durante o encontro em que a emoção dominou a sua aparência jovial. “Então, poucos anos depois, eu tive de dizer adeus à minha mãe, uma viúva, e partir para a Dinamarca”, disse ele com lágrimas nos olhos. [caption id="attachment_7817" align="aligncenter" width="433"]Dan H. Yaalon looks on as Anne Marie Steiner, ‘Nemka,’ and Judith Shaked embrace at their first meeting in dozens of years. The two girls were best friends during their time in Denmark. (photo credit: Eliska Blazkova) Dan H. Yaalon looks on as Anne Marie Steiner, ‘Nemka,’ and Judith Shaked embrace at their first meeting in dozens of years. The two girls were best friends during their time in Denmark.
(photo credit: Eliska Blazkova)[/caption]   Durante algum tempo ele conseguiu comunicar-se com a mãe por cartas enviadas através da Cruz Vermelha, cartas que podiam conter apenas 25 palavras, mas logo que os nazistas ocuparam a Dinamarca elas cessaram. Alguns destes adolescentes reencontraram os pais depois da guerra – foram as felizes exceções. Dina Kafkova encontrou o pai, um dos poucos judeus que conseguiram escapar de Praga em 1941. A filha de Kafkova, Barbara Rich, uma advogada de Londres que veio representar a mãe no encontro, contou que gostaria que a mãe ainda estivesse viva para poder fazer mais perguntas a ela sobre suas experiências durante a guerra. “Vocês sabem como são os jovens. . . os adolescentes acham os pais tão chatos. . . e minha mãe nunca falava sobre a guerra. Talvez não fosse tão aceitável como agora falar sobre o Holocausto. Ou talvez suas experiências, reminiscências de uma vida anterior ainda estivessem muito frescas na memória e falar sobre elas fosse muito doloroso”, disse Rich. Este encontro em Israel foi preparado por uma série de acontecimentos casuais. Alguns anos atrás, em Londres, Kafkova se tornou amiga de uma mulher que lhe trouxe um recorte de um jornal judaico local. Era um anúncio colocado por um homem chamado Yaalon que perguntava se alguém tinha informações sobre os judeus tchecos que viveram na Dinamarca durante a guerra. Quando Kafkova viu a foto dele, um hiato de 40 anos se fechou para ela. Embora o conhecesse pelo nome tcheco, Berger, ela logo o reconheceu e escreveu para ele. Eles entraram em contato e ela foi visitá-lo em Israel. Naquela ocasião eles ainda não sabiam quem do grupo ainda vivia. “Esta reunião significava muito para ela”, disse Rich, lembrando da mãe. Judita Matyasova, que trabalha sem patrocínio, diz que o esforço para reconectar os membros do grupo e registrar suas histórias ainda não contadas, ainda está longe de ser concluído, não apenas por eles, mas por suas famílias e pelas gerações futuras. “Alguns indivíduos, ou mesmo um só indivíduo, são mais que apenas um número”, disse ela no encontro. “Ainda há muitos daqueles adolescentes tchecos que foram salvos pela Dinamarca durante a guerra e eu quero encontrá-los, todos”. Fonte: Times of Israel e citado no WJC- World Jewish Congress em 06 de novembro de 2012. Tradução: Adelina Naiditch]]>

Gostou? Compartilhe:

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Escolha por região

Destaque

Ajudar
muda tudo

Sua doação muda a vida de muitas pessoas. Contribua agora mesmo.

Artigos relacionados