MÉDICO JUDEU É LEMBRADO NOS JOGOS PARALÍMPICOS
Os Jogos Olímpicos têm o barão Pierre de Coubertin, fundador dos jogos modernos. Os paralímpicos têm Sir Ludwig Guttmann. Guttmann, um neurocirurgião judeu que fugiu da Alemanha nazista, foi pioneiro no uso da competição atlética como terapia para pacientes com lesão na coluna vertebral, organizando uma competição de arco e flecha para dezesseis pacientes no hospital Stoke Mandeville, na Inglaterra. Esta foi a origem dos jogos paralímpicos, que nesta semana trouxeram a Londres mais de 4.000 atletas de todo o mundo. “A história de Guttmann é impressionante. Foi ele quem teve a ideia de unir a reabilitação com a competição esportiva”, disse o historiador dos Jogos Olímpicos Martin Polley. Este mês marcou o momento histórico de Gutmann com o filme “O Melhor dos Homens” em exibição no Museu Judaico de Londres. A filha dele, Eve Loeffler, foi nomeada prefeita da vila olímpica – uma espécie de embaixadora-chefe que acolhe os participantes dos jogos paralímpicos, que devem ser encerrados no próximo dia 9 de setembro. O interesse por Guttmann ressurgiu agora. Ele escapou da Alemanha no final dos anos 1930, estabelecendo-se na Inglaterra onde suas pesquisas sobre o tratamento de pacientes com lesão na coluna vertebral chamou a atenção do governo. Ele começou a trabalhar com soldados feridos no hospital Stoke Mandeville em Londres durante a Segunda Guerra Mundial, uma época em que este tipo de lesão era considerado uma sentença de morte. Os pacientes eram aconselhados a não se moverem, o que provocava infecções secundárias devidas às escaras criadas pela imobilidade no leito ou então por pneumonia. Conhecido por sua personalidade autoritária e pela insistência com que teimava em querer mudar o status quo, Guttmann agitou o hospital tirando os pacientes da sedação que lhes era administrada para que ficassem mais confortáveis. Ele não admitia esta situação, com ele ninguém ficaria confortável assim. O jornal Times de Londres relatou as declarações de Guttmann numa entrevista feita há alguns anos: “Um paciente me disse que estava esperando que Deus Todo Poderoso viesse buscá-lo e eu respondi que enquanto ele esperava podia fazer algum esforço”. “Ele fazia os pacientes sentarem e exercitarem os músculos. Para mantê-los motivados ele criou as competições, o que os levava a um esforço maior. Inicialmente ele tentou organizar jogos de hockey em cadeiras de rodas, mas quando estes se tornaram muito violentos ele procurou envolver os pacientes no basquete”, disse Eve Loeffler. Ele era duro e exigente, mas os pacientes agradecidos o apelidaram de ‘Poppa’. Mesmo ainda sendo paralíticos, estavam vivos e realizaram o desejo de Guttmann de vê-los tornarem-se autossuficientes. Loeffler disse que seu pai ficou marcado por seu passado, muitos dos seus parentes morreram em Auschwitz e ele desejava retribuir o que recebera do país que o acolheu. “Eu acho que havia outra coisa que o movia. De certa maneira ele foi um presente que Hitler deu à Inglaterra e ele estava determinado a tornar-se um bom cidadão inglês”, disse ela. No mesmo dia em que foram inaugurados os Jogos Olímpicos de Londres de 1948, Guttmann organizou uma competição para atletas em cadeiras de rodas, que chamou de Jogos Stokes Mandeville. Dezesseis atletas foram envolvidos em competições de arco e flecha. A partir destas origens humildes os Jogos Paralímpicos evoluíram para um festival dos esportes que neste ano reuniu 4.200 atletas de 166 equipes. Embora menor do que as Olimpíadas, que tiveram mais do que o dobro do número de atletas participantes, o evento de Londres representa um vasto campo para estes jogos. O evento de Londres, o primeiro a surgir como resultado de uma ação conjunta da cidade anfitriã, beneficiou-se da maior integração com as Olimpíadas, particularmente em termos de marketing e organização. Londres uniu os anéis símbolo da Olimpíada com o Agito, o símbolo do paralímpico, um gesto que ajudou a atrair um pouco da atenção que as Olimpíadas recebem. A rainha Elizabeth II aceitou fazer a inauguração dos jogos, o que reflete a importância que o país dá ao evento. Foram vendidos mais de dois milhões de ingressos, a maior quantidade até hoje, a maioria para ingleses que queriam ter a oportunidade de ver os novos estádios e experimentar a excitação de assistir a esta competição esportiva. A equipe inglesa também é forte, ela ficou em segundo lugar nas Paralimpíadas de Pequim com um total de 102 medalhas, sendo 42 de ouro. Agora os ingleses querem ver seus atletas em ação e, sem dúvida, suas vitórias. Loeffler acredita que a visão do seu pai veio para ficar. Quando ela passeia pela vila olímpica as pessoas a reconhecem, como a atleta canadense Jessica Vliegenthart, que viu Loeffer, tirou fotos e perguntou: “Você não é a filha dele?” Ela concordou orgulhosamente. O pai dela havia sonhado com a Paralimpíada e agora uma nova geração o estava reconhecendo. Ela disse: “Quem senão ele poderia imaginar que isto pudesse acontecer? Não acredito que alguém mais pudesse”. A Inglaterra reconheceu o trabalho de Guttmann dando-lhe um título de nobreza em 1966 e recebendo-o na Royal Society – honras das quais ele tinha muito orgulho. Embora tenha morrido em 1980, ele viveu o suficiente para ver a Paralimpíada crescer. Os primeiros jogos em grande escala tiveram lugar em Roma em 1960 e lembranças da Paralimpíada de Tóquio de 1964 fazem parte da coleção que se encontra em exibição no Museu Judaico. “Eu não poderia estar mais orgulhosa. Eu espero que, lá do alto, ele possa estar observando tudo isto”, disse Loeffler.