Menachem Z. Rosensaft
Aqui, junto às valas coletivas de Bergen-Belsen, nós somos inexoravelmente lembrados de que o mal existe no mundo. Nuvens ameaçadoras pairam novamente sobre partes da Europa. Sessenta e oito anos após a liberação de Bergen-Belsen, sessenta e oito anos após o fim do Holocausto, nós não podemos ignorar o ressurgimento perturbador de grupos racistas e neofascistas em pelo menos três países que pertencem tanto à OTAN como à União Europeia. Na Grécia está surgindo o partido Aurora Dourada, racista, antissemita e anti-imigração. Nas palavras de Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial, neonazista. E nós não podemos, não devemos ignorar a informação de que o Aurora Dourada está em contato, se não conspirando, com grupos semelhantes em outros países e já abriu escritórios nas Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, assim como na Alemanha. Na Hungria, onde setenta anos atrás centenas de milhares de judeus foram deportados para morrer nas câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau, o governo foi forçado a proibir um comício antissemita em frente à principal sinagoga de Budapest com o terrível slogan “Mais Gás”. No início do próximo mês, enquanto o Congresso Judaico Mundial estiver realizando sua Assembleia Plenária em Budapest, como demonstração de solidariedade com a comunidade judaica da Hungria, membros do partido Jobbik, antijudaico, Anti-Roma e antigay, planejam uma demonstração antissionista. Não restam dúvidas, como declarou o Presidente Lauder ao jornal Südentsche Zeitung, de que as declarações antissemitas dos líderes do Jobbik “evocam, deliberadamente, memórias do regime pró-Hitler do tempo da guerra na Hungria”. Aqui na Alemanha notamos com profunda consternação e angústia que o governo federal parece aceitar a legitimação do extremismo da direita contemporânea ao recusar apoio aos esforços para banir o Partido Democrático Nacional (NPD), neonazista. No mês passado, o jornal New York Times citou Philipp Rösler, chefe do Partido Democrático Livre, que defendeu a decisão do seu governo de não colocar fora da lei o NPD alegando que “a estupidez não pode ser banida”. Aqui, ao lado do Monumento Judaico de Bergen-Belsen, que meu pai inaugurou em 1946, no primeiro aniversário da liberação do campo, nós devemos lembrar aos líderes políticos e intelectuais alemães que racismo, antissemitismo, fascismo, intolerância, homofobia, profanação de cemitérios judaicos e de memoriais da deportação nazista dos Roma e Sinti (ciganos) não devem ser nunca considerados como apenas indicação de estupidez. São manifestações do mal, do verdadeiro mal, que levou ao assassinato de dezenas de milhares de pessoas que jazem enterradas nas valas comuns que nos cercam e os milhões que foram mortos com gás em Auschwitz, Treblinka, Majdanek e outros campos de morte da Europa nazista. Nós não podemos tolerar a ressurreição deles, de qualquer forma, em qualquer lugar, mas especialmente não na Alemanha. Nós ficamos gratificados com a notícia de que o Escritório Central de Investigação dos Crimes Nacional-Socialistas em Ludwigsburg está considerando processar cerca de cinquenta antigos guardas de Auschwitz pelo papel que desempenharam no genocídio dos judeus da Europa, mas não podemos ignorar o fato de que tais processos, se vierem a ser realizados, ocorrerão com muitas décadas de atraso. Não devemos esquecer que Anne Frank, que morreu de tifo, aqui, um mês antes da liberação, escreveu a sua observação: “apesar de tudo, eu ainda acredito que as pessoas, no íntimo, são boas”, enquanto ainda estava no esconderijo em Amsterdam, protegida por Miep Gies e outros cristãos holandeses que tentaram salvá-la e à sua família. Não tenho dúvidas de que Anne Frank tenha ficado profundamente abalada, senão completamente desiludida depois da traição de 4 de agosto de 1944, quando foi levada para o campo de trânsito de Westerbork, depois para Auschwitz e, mais tarde, para Bergen-Belsen. Isto não quer dizer que devemos esquecer aqueles não judeus como Miep Gies, como o pastor André Trocmé em Le Chambon-sur Lignon e o ex-ministro do exterior polonês Wladislaw Bartszewiski, que ajudaram judeus durante o Holocausto, frequentemente com risco da própria vida. E lembramos com profunda gratidão os oficiais e soldados britânicos que anunciaram aos internos do “campo do horror” de Bergen-Belsen em 15 de abril de 1945, “vocês estão livres”. Junto com as tropas americanas que liberaram Buchenwald, Dachau, e muitos outros campos de concentração alemães na primavera de 1945, os soldados soviéticos que entraram em Auschwitz em 27 de janeiro de 1945, deram uma nova vida aos remanescentes do judaísmo europeu. Por isso nós somos eternamente gratos a eles. Setenta anos atrás, o Gueto de Varsóvia estava em chamas no terceiro dia do levante armado com seus heroicos combatentes judeus que escreveram nos anais da história uma página gloriosa de desafio. Mas não podemos esquecer também os milhares de poloneses de Varsóvia que ouviram o tiroteio e viram a fumaça, mas prosseguiram com seus afazeres normais. Enquanto mais de quarenta mil judeus morriam uma morte pública horrível, um carrossel divertia poloneses bem ao lado do muro do gueto, na Praça Krasinski. Hoje vamos lembrar que nossa obrigação é com os mortos que estão aqui enterrados, assim como com a história e o futuro. O Holocausto, a Shoah, foi possível porque os seres humanos que poderiam ter impedido que acontecesse permitiram a sua ocorrência, assim como permitiram o genocídio na Bósnia, em Ruanda, em Darfur, e outros lugares. Nós voltamos para cá todos os anos para garantir aos mortos que nós não os abandonamos, que nós jamais os abandonaremos. Mas igualmente importante, nós precisamos nos comprometer novamente, neste local sagrado, a fazer todo o possível para que os herdeiros ideológicos e espirituais do regime nacional-socialista não se organizem em qualquer lugar do mundo como um novo flagelo para a humanidade. Artigo publicado no WJC – World Jewish Congress em 22 de abril de 2013. O autor, Menachem Z. Rosensaft, é conselheiro do WJC e fez este discurso durante uma cerimônia realizada em Bergen-Belsen, Alemanha, em 21/04/2013. Ele nasceu neste campo em 1948. Tradução: Adelina Naiditch ]]>