29/07/2011 No início de julho as palavras “Hitler estava certo”, em russo, foram pintadas sobre um memorial dedicado aos 72.000 judeus que foram assassinados na floresta de Ponary, próximo a Vilna, na Lituânia. Em um outro monumento, próximo a este, foi feita uma referência vulgar à compensação que o governo lituano fez aos descendentes dos judeus assassinados. Ninguém parece ter notado. Durante muitos séculos Vilna, a atual capital da Lituânia foi conhecida como a “Jerusalém da Lituânia” por sua centralidade no pensamento e na política, tanto medieval como do início da modernidade. No Grão Ducado da Lituânia medieval e na Comunidade Lituano-Polonesa pré-moderna, um número considerável de judeus estabeleceu-se em Vilna, vindos tanto do leste como do ocidente. Durante vários séculos os judeus prosperaram sob um regime que lhes permitia ter autonomia local. Durante a decadência da Comunidade Lituano-Polonesa no século XVIII, Vilna era uma cidade de sábios como Elijah ben Salomon, o Gaon de Vilna, o grande adversário do movimento hassídico. No século XIX Vilna viu surgir a Hascalá, o Iluminismo judaico, no Império Russo. Após a Primeira Grande Guerra a cidade foi incorporada pela Polônia, embora fosse reivindicada pela Lituânia como sua capital. Havia então muito mais poloneses que lituanos na cidade, mas havia também tantos judeus quanto poloneses, cerca de 80.000 habitantes em cada grupo na década de 1920.. No período entre as guerras havia muita tensão entre poloneses e judeus e entre poloneses e lituanos, mas as relações entre judeus e lituanos eram relativamente pacíficas. Em 1939, no início da Segunda Grande Guerra, judeus, poloneses e lituanos caíram sob o domínio soviético. Pelos termos do pacto Ribbentrop-Molotov, a aliança entre a Alemanha nazista e a União Soviética, a Polônia oriental (incluindo Vilna) ficou na esfera de influência soviética. Os soviéticos cederam Vilna à Lituânia em 1939, mas anexaram o país inteiro em 1940. A NKVD, a polícia secreta soviética, passou então a deportar a elite social e política lituana, cerca de 21.000 pessoas, inclusive judeus.. Milhares de pessoas morreram nas prisões soviéticas. O nível do terror deste período não tinha precedentes e os primeiros perpetradores foram os soviéticos. Nós lembramos, por exemplo, que o diplomata japonês Chiume Sugihara salvou milhares de judeus concedendo-lhes vistos de trânsito para sair da Lituânia em 1940, mas o que frequentemente se esquece é que estes judeus estavam fugindo da ameaça de deportação soviética e não do Holocausto, que ainda nem tinha começado. Nesse ínterim, os alemães se preparavam para trair seus aliados soviéticos. Parte de seus projetos para a invasão da União Soviética foi o recrutamento dos nacionalistas locais que os ajudaram a espalhar a mensagem antissemita: o governo nazista os ajudaria a livrarem-se dos crimes dos soviéticos, que eram, de fato, culpa dos judeus locais. Durante as primeiras semanas da invasão alemã, que atingiu primeiro a Lituânia e outras terras que os soviéticos recém tinham anexado, os povos locais participaram de centenas de pogroms violentos, matando cerca de 24.000 judeus. As tropas alemãs foram seguidas por quatro Einzatzgruppen cuja tarefa era aniquilar qualquer grupo que tentasse resistir ao poder alemão. Na Lituânia, antes de outros lugares, esta missão tornou-se assassinato em massa. A ação antissemita alemã associava os judeus ao domínio soviético, o que permitiu aos lituanos (e outros) encontrar um bode expiatório para sua própria humilhação e sofrimento sob o domínio soviético, proporcionando também uma rota de fuga para aqueles que tinham colaborado com o regime soviético. Os alemães tinham abrigado os nacionalistas lituanos que tinham fugido dos soviéticos e a colaboração entre as forças alemãs e estes lituanos permitiu uma escalada drástica dos pogroms para os fuzilamentos em massa. O assassinato em massa dos judeus de Vilna não teria acontecido sem o auxílio de lituanos: os alemães não tinham homens suficientes para o trabalho. Isto dito, é importante lembrar que a ocupação dupla da Lituânia, pelos soviéticos e depois pelos alemães, foi um rompimento muito violento com a história prévia de Vilna e da Lituânia. Embora os alemães não tivessem dificuldades para encontrar lituanos que desejassem matar judeus, o que aconteceu em 1941 não tinha precedentes na política lituana anterior à guerra ou nas relações entre judeus e lituanos. A unidade alemã designada para matar os judeus de Vilna era o Einzatzkommando 9 do Einzatzgruppe B. Em 23 de julho de 1941 os alemães já tinham organizado um grupo auxiliar lituano que reuniu os judeus em várias colunas que marcharam até a floresta de Ponary. Os judeus foram levados em grupos de 12 a 20 pessoas até a beira de uma vala onde tinham de entregar valores e roupas antes de serem fuzilados. Cerca de 72.000 judeus de Vilna e dos arredores foram executados em Ponary (assim como o foram 8.000 poloneses e lituanos). Ita Straz foi uma das poucas judias que conseguiram sobreviver. Ela foi conduzida por policiais lituanos até a beira de uma vala cheia de cadáveres. Os tiros não a alcançaram, mas ela caiu dentro da vala e foi coberta pelos corpos das pessoas que vieram depois dela. Mais tarde ela conseguiu subir e fugir:”Eu estava descalça, eu caminhei sobre muitos cadáveres, parecia não ter fim”. Por que a profanação deste lugar não foi percebida? Quando o letreiro “ Arbeit macht frei” foi roubado dos portões de Auschwitz em 2009, houve um escândalo internacional e os ladrões (um sueco neonazista e dois cúmplices poloneses) foram presos. Talvez os jornalistas e editores da Europa Ocidental e dos Estados Unidos não associem lugares como Ponary com o Holocausto. Nossa imaginação está dominada por Auschwitz, embora muito mais judeus tenham sido mortos em lugares como Ponary que nas câmaras de gás. Por outro lado, o governo lituano tende a focar-se nas vítimas lituanas da ocupação soviética. Os alemães terminaram com a primeira ocupação soviética em 1941, mas o Exército Vermelho voltou em 1945 e permaneceu até 1991. Mais uma vez milhares de pessoas capazes e cultas foram deportadas para a Sibéria. Para muitos políticos lituanos o momento formador de suas vidas foi janeiro de 1991, quando uma unidade especial soviética matou 13 lituanos que protestavam contra a ocupação. A unidade era comandada por Mikhail Golovatov, um oficial da KGB que agora é considerado criminoso de guerra pelos lituanos. Agora as autoridades do governo lituano estão concentradas no seu caso. A Áustria tinha Golovatov sob sua custódia em 14 de julho, mas permitiu que ele voltasse para a Rússia depois de mantê-lo por menos de um dia. Um político da oposição austríaca acusou o governo de ter-se “prostrado diante da Rússia”. O próprio Golovatov declarou que a influência russa foi decisiva, embora ele talvez queira apenas piorar as relações entre a Austria e a Lituânia. Um dos princípios da política exterior russa é enfraquecer a União Européia e o melhor para isto é lidar separadamente com cada um de seus estados membros. As autoridades lituanas se perguntam, acertadamente, se os seus parceiros na União Européia compreendem as dificuldades do seu passado soviético. Assim, o governo atual enfatiza os crimes soviéticos, muitas vezes ao ponto de negligenciar oportunidades óbvias de reconhecer o Holocausto na Lituânia e o papel de lituanos nos assassinatos em massa no seu território. Igualmente, a Lituânia deveria ter sido mais enfática na informação ao mundo sobre um episódio de vandalismo no seu Museu das Vítimas de Genocídio, cujas exibições relatam crimes soviéticos. Mas a indubitável ignorância ocidental dos crimes soviéticos não é desculpa para negligenciar o registro histórico da tragédia dos judeus lituanos. Por pior que fosse a ocupação soviética, o maior grupo de vítimas de genocídio foi o dos judeus assassinados pelos alemães com a ajuda da população local. Estas pessoas eram cidadãos da Lituânia. A responsabilidade de anunciar e solucionar o crime é das autoridades lituanas. A polícia local já manteve contato com a comunidade judaica de Vilna (hoje com apenas cerca de 3.000 pessoas). Além da decência básica, o respeito pela história da Lituânia e de seus povos exige que medidas imediatas e decisivas sejam tomadas para levar à justiça as pessoas envolvidas no caso. Autor – Timothy Snyder Fonte – World Jewish Congress Tradução – Adelina Naiditch ]]>