UM TEMA EM DEBATE: CIRCUNCISÃO
Em julho de 2011 um juiz impediu que ativistas conseguissem levar adiante o movimento por um plebiscito programado para novembro em San Francisco, Estados Unidos, para decidir sobre a proibição da circuncisão em menores de 18 anos, mas os grupos dizem que vão continuar tentando.
Em maio deste ano um tribunal de Colônia, Alemanha, declarou que a circuncisão provoca danos no corpo do bebê, incapaz de consentir, e considerou ilegal esta prática. A decisão causou consternação e rancor tanto aos judeus como aos muçulmanos. Atualmente um debate semelhante ocorre também na Áustria. O rabino-chefe asquenazi de Israel, Yona Metzger, viajou para a Alemanha e manteve conversações sobre este assunto com membros do governo alemão em Berlim. Numa conferência de imprensa Metzger afirmou que a religião judaica exige que os bebês do sexo masculino sejam circuncidados no oitavo dia após o nascimento. Metzger, após encontros no Ministério da Justiça alemão, sugeriu que os rabinos poderiam certificar os mohels depois destes receberem treinamento médico adicional. O rabino-chefe acredita que a decisão do juiz de Colônia tenha sido tomada na boa fé e não devido a sentimentos antissemitas. A comunidade judaica alemã não recebeu bem a interferência de Metzger, dizendo que ele é o rabino-chefe de Israel, o que merece respeito, mas não é rabino da comunidade judaica alemã, que tem seus próprios rabinos e considerou este envolvimento indevido. O rabino David Goldberg, da comunidade judaica de Hof, na Baviera, que também é mohel, foi acusado de cometer um crime por ter realizado este ritual religioso. O rabino de Colônia, Yaron Engelmayer, da Conferência Rabínica Ortodoxa, disse que ficou ‘chocado’ com este fato, enquanto Moshe Kantor, presidente do Congresso Judaico Europeu declarou: “Há muitas décadas que um judeu não é acusado por praticar abertamente o judaísmo e isto faz lembrar tempos obscuros. Esperamos que na Alemanha as autoridades sejam mais sensíveis a esta questão e enviem uma mensagem mais clara de que será permitido que a vida religiosa judaica possa continuar e prosperar na Alemanha e que, sem demora, elaborem uma legislação que esclareça de vez o assunto, já que existe muita confusão sobre este tema”. No sábado passado, o governo da Dinamarca autorizou uma investigação para verificar se os procedimentos da circuncisão executada por não-médicos viola o seu código de saúde. O primeiro-ministro dinamarquês, Helle Thorning-Schmidt, declarou ao jornal Politiken: “Nós vamos examinar as recomendações de saúde pública seguidas nesta área”. O rabino-chefe da Dinamarca, Bent Lexner, declarou ao mesmo jornal que ele não considera que esta investigação reflita desconfiança por parte do governo. Na Holanda, além das discussões sobre a circuncisão, tenta-se banir também o abate ritual. Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatria, o principal grupo pediátrico do país, declarou que a circuncisão de bebês do sexo masculino apresenta benefícios à saúde e os pais devem sentir-se à vontade, sem sentirem-se pressionados a fazê-la. A circuncisão diminui o risco de adquirir muitas doenças, como a AIDS e o herpes, e não prejudica o desempenho sexual nem o prazer do adulto. Mesmo sem chegar a recomendar a circuncisão como rotina, a Academia aprova este procedimento controvertido. No número mais recente da revista Pediatrics vemos a seguinte declaração; “A avaliação das evidências atuais indica que os benefícios da circuncisão de bebês superam os riscos”.A CIRCUNCISÃO MASCULINA É UMA PRÁTICA FUNDAMENTAL NA VIDA JUDAICA Jeremy Newmark
A circuncisão masculina é uma prática fundamental na vida judaica há mais de 3.500 anos, desde Abraão. É mais que um rito de passagem, é um elo com a nossa herança e a nossa cultura. É uma alegre celebração familiar. Esta posição é compartilhada pela comunidade muçulmana onde a circuncisão também é praticada.
Existem numerosas razões religiosas para o brit milá, como esta prática é chamada no judaísmo, além dos benefícios para a saúde. Um estudo conduzido na John Hopkins University concluiu que o procedimento ajuda na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de vários tipos de câncer. Adverte também que o declínio no número de circuncisões faz aumentar os custos da assistência médica. Atualmente as pessoas treinadas para realizar a circuncisão, os mohels, frequentemente são médicos que usam anestésicos e são proficientes; muitos hospitais requisitam seus serviços para realizar circuncisões não religiosas. Além das preocupações sobre políticas públicas e, ao contrário do pensamento dogmático racionalista, a circuncisão não é vista como um ato de destruição no judaísmo, mas antes como uma complementação da obra divina, a mesma crença que está na raiz do pensamento judaico de que devemos desempenhar um papel ativo para melhorar o mundo, importante em todos os aspectos da vida judaica: justiça social, família, comunidade e filantropia. Aqueles que desejam a sua proibição devem considerar o impacto devastador que terá nas comunidades judaicas e muçulmanas. Aqueles que entendem a verdadeira natureza da circuncisão religiosa entendem também os profundos laços comunitários e familiares criados no processo. Aqueles que, erradamente, descrevem a circuncisão como um ritual de sacrifício, que acreditam que tanto a comunidade judaica como a muçulmana procuram mutilar suas crianças, ou estão mal orientadas ou têm motivos sinistros. Estas imagens nos levam aos ataques antissemitas e islamofóbicos que têm ocorrido através da história. Se a sociedade em que vivemos deseja nos negar os nossos ritos mais fundamentais, o que mais podem querer nos proibir? Existem dois lados no campo ‘pró-banir’. O primeiro são aqueles mencionados acima: os xenófobos que querem banir ‘o outro’. Junto com o crescimento da islamofobia na Europa, ouvimos o clamor da extrema-direita para banir a circuncisão usando artifícios para encobrir o seu racismo. O outro campo é o dos humanistas e individualistas que lideram o ataque contra esta prática religiosa fundamental e parecem não ligar para a conexão essencial com seus correligionários que judeus e muçulmanos sentem através deste ritual. Aqueles que escarnecem das práticas religiosas como sendo antiquadas e bárbaras e que não devem ter lugar numa sociedade moderna, dizendo que a circuncisão pode ser facilmente substituída por alternativas ‘modernas’, não desejam ou não são capazes de tolerar os valores religiosos. A liberdade de prática religiosa é um dos fundamentos da democracia liberal. Ângela Merkel tem razão ao distanciar seu governo da recente decisão do tribunal de Colônia e introduzir uma legislação que garante a continuidade do brit milá na Alemanha. Este desafio à prática religiosa já criou um efeito de bola de neve. A possibilidade de um rabino alemão ser preso por realizar o brit milá já provocou arrepios no âmago do judaísmo europeu. Como todos os pais sabem, muitas escolhas difíceis devem ser feitas para os filhos antes que eles tenham idade suficiente para fazê-las sozinhos. Estas escolhas afetam toda a vida e a personalidade de uma pessoa. O brit milá não é a única, é uma entre muitas escolhas: educação, valores, religião e outros assuntos tais como a vacinação. São escolhas feitas sem o consentimento expresso da criança. Ninguém procura restringir os direitos dos pais em qualquer destes assuntos. Por que a circuncisão deve ser tratada de modo diferente? Fonte: A primeira parte foi publicada no WJC – World Jewish Congress em 27/08/2012, onde inserimos dois parágrafos do dia 22/08. O artigo assinado por Jeremy Newmark, CEO do Conselho de Líderes da Comunidade Judaica Britânica, teve a colaboração de Jon Benjamin, CEO da Comissão de Representantes dos Judeus Britânicos. Foi publicado no The Huffington Post da Grã-Bretanha em 29/08/2012 e citado no WJC. Tradução: Adelina Naiditch]]>