Ruth Ellen Gruber
San Nicandro Gargarigo, Itália
No cemitério cristão desta pequena cidade rural situada no calcanhar da bota italiana, Lúcia Leone observa uma fileira de túmulos marcados com a estrela de David: “Esta é minha mãe, aquela é minha avó e, depois, minha bisavó. E aquele mais adiante é Donato Manduzio; foi ele quem começou tudo”, diz ela. Manduzio, que morreu em 1948, era um lavrador autodidata, veterano da Primeira Guerra Mundial onde foi ferido. Em 1930 ele abraçou o judaísmo depois de ter uma estranha visão em um sonho. Uma figura carismática, com reputação de ter poderes de cura pela fé, Manduzio atraiu dezenas de seguidores entre seus vizinhos, lavradores pobres como ele. “Parece que este foi o único caso de conversão coletiva ao judaísmo nos tempos modernos”, escreveu o historiador John Davis em um livro publicado recentemente Manduzio morreu dois meses antes da criação do Estado de Israel, mas quase todos os membros do grupo, cerca de setenta pessoas, fizeram aliá em 1949. Leone, a família dela e algumas outras famílias são descendentes das quatro ou cinco mulheres que preferiram não emigrar. Algumas nunca se converteram formalmente, algumas tinham maridos que não eram judeus e não queriam partir. Mesmo assim, elas mantiveram seu judaísmo vivo em seus lares e em seus corações – por mais de meio século acenderam velas no Shabat, mantinham uma cozinha kasher e observaram os feriados à sua maneira. Até uma década atrás, elas se mantiveram discretas. “Nós não tínhamos medo, mas, dentro do possível, nós mantivemos nossa identidade escondida”, diz Leone, que tem quase cinquenta anos. Hoje, elas formam uma congregação atuante de cerca de trinta e cinco pessoas que foi reconhecida pela comunidade judaica ortodoxa da Itália como parte de um novo esforço da União das Comunidades Judaicas Italianas, UCEI, para se aproximar dos judeus do sul da Itália que retornam à sua fé. “Nós não nos sentimos mais solitárias”, diz Leone. “Todos os meses vem um rabino ou um professor até nós, nos reunimos nos feriados, e também em outras ocasiões, com judeus da Calábria, da Sicília, de Nápoles e da Apúlia. E, é claro, existem muitos sites e o Facebook que nos ajudam a manter contato”. No ano passado sete judeus de San Nicandro realizaram a conversão formal, ortodoxa; entre eles, Leone, o marido dela e seus dois filhos. “Finalmente!” diz Leone. “Baruch Hashem! Foram cinco anos de estudo, mas foi uma experiência maravilhosa”. Os judeus de San Nicandro são um caso especial, mas eles estão entre dezenas de outros italianos do sul do país que estão assumindo sua identidade judaica. Espalhados entre diversas aldeias e cidades, a maioria é de descendentes dos “anusim” – judeus forçados à conversão ao cristianismo ou a enfrentar a expulsão, quinhentos anos atrás. Muitos entre eles descrevem tradições familiares misteriosas baseadas nas práticas judaicas, como por exemplo, cobrir os espelhos da casa quando falece alguém, ou queimar uma pequena porção da massa quando preparam o pão. “Estas pessoas mantiveram o seu judaísmo durante várias gerações”, diz Scialom Bahbout, rabino chefe de Nápoles e do sul da Itália. “Suas raízes eram muito fortes e deixaram marcas profundas”. Desde 2010 Bahbout tem sido o ponto de referência religiosa da UCEI para esta região: “Eu venho tentando reunir pessoas de várias regiões – Apúlia, Calábria, Sicília – para criar um movimento”, diz ele. Outras pessoas também estão se aproximando. Durante cerca de uma década a rabina norte-americana Barbara Aiello, cujos ancestrais eram anusim, vem dirigindo Ner Tamid Del Sud, um centro de estudos e de orações judaicas na Calábria. O centro de Aiello opera fora do judaísmo ortodoxo e não é reconhecido pela UCEI. Mas, como ela diz, o interesse é tão grande que no próximo verão, quando o prédio ficar pronto, o grupo planeja abrir uma nova sinagoga. “Ner Tamid Del Sud não está filiada a nenhum movimento judaico”, diz Aiello, que divide o seu tempo entre os Estados Unidos e a Calábria. “Nós somos pluralistas, estamos abertos e acolhemos todos os judeus, inclusive famílias mistas e famílias onde o pai é o único judeu”. No início de setembro dezenas de judeus de todo o sul se reuniram em Trani, uma antiga cidade portuária do sul da Itália, para uma celebração especial de Shabat que marca a conclusão do Lech Lechá, um festival cultural judaico de uma semana de duração realizado em Trani e em nove outras cidades da Apúlia. Nenhum judeu vive em Trani, mas a cidade tem sido um foco de renascimento judaico desde 2004 quando uma sinagoga medieval que tinha sido usada como igreja durante vários séculos foi restaurada e reconsagrada como casa de orações judaica. Nesta ocasião a congregação foi grande demais para aquele pequeno santuário e os serviços do sábado pela manhã foram realizados na praça que fica em frente à sinagoga. Ao anoitecer, Bahboud segurou a vela de havdalá enquanto gritos de “Shavua Tov” ecoaram naquela cerimônia, no final do festival. Mais tarde, após o jantar em um restaurante local que tinha sido especialmente “kasherizado” para a ocasião, Davide Scibilia, de Catânia, Sicília, contou que ele sempre soube que era judeu, mas que tinha aderido ao judaísmo organizado há apenas três anos: “Nosso judaísmo era vivido apenas no lar. Nós celebrávamos o Shabat, eu não ia à escola nos sábados e minha mãe cozinhava o jantar de sexta-feira antes do pôr do sol. Meu pai realizou, ele próprio, a minha circuncisão quando eu tinha oito dias de vida”, disse ele. “Nós não comíamos carne porque não havia alimentos kasher no lugar, assim, usávamos soja de todas as maneiras possíveis. Minha mãe era fabulosa na cozinha”, acrescentou ele. De volta a San Nicandro, Leone mostra aos visitantes a sala de reuniões da comunidade onde um retrato de Manduzio ocupa um lugar de honra e a pequena sinagoga próxima dali onde elas se reúnem para orar e, às vezes, realizar reuniões com outros judeus do sul. Na maioria das vezes, no Shabat, não há miniam, a maioria dos membros da comunidade são mulheres. Segundo Leone, não é fácil manter as tradições: comprar carne kasher exige uma viagem de quatro horas para Roma. Leona é uma orgulhosa mãe judia e fica feliz quando fala do envolvimento dos filhos com o judaísmo. A filha dela estuda em Roma para tornar-se professora de cultura judaica e o filho atua como supervisor de kashrut, ou mashgiach, nos shabaton e em outros eventos. No entanto, ela confessa que tem uma grande preocupação: a filha ainda é solteira. “Sonho com o casamento dela, principalmente com um judeu. Ela tem vinte e sete anos, já é tempo!” Artigo publicado no jornal Times of Israel e citado no WJC- World Jewish Congress em 03 de outubro de 2012. Tradução: Adelina Naiditch ]]>